“Encanto”, 60ª animação do Walt Disney, bem que poderia ter saído de um livro de Bert Hellinger ― se Hellinger tivesse sido menos inspirado por Rilke e mais por Gabriel Garcia Marquez, Nobel de literatura e criador do realismo fantástico.
Lealdades familiares, exclusões e suas consequências; reiterações de padrões e personagens mais complexos do que simplesmente divididos entre bons e maus compõem o enredo do desenho e, também, de muitos dos conceitos das constelações familiares.
Força do país de origem
Para Hellinger, temos mais chance de sucesso se respeitamos nosso país de origem. Em “Encanto”, podemos ver como esse aspecto foi bem explorado. Com o filme ambientado na Colômbia, o estúdio usou referências marcantes daquele país, como o realismo fantástico de García Márquez, além da música e das cores vibrantes.
“O fato é que a Colômbia é o país onde o realismo fantástico nasceu, com Gabriel García Márquez. A maneira como essa literatura conversa com a emoção, e como a mágica nela vem das coisas do dia a dia, fez todo o sentido para o filme que queríamos fazer”, diz Byron Howard, um dos diretores de “Encanto”, em entrevista ao jornal Folha de SP.
Zelando pela consciência menor
A trama começa com Abuela (do espanhol, avó) ainda jovem. Depois que seu marido, em um ato heroico para salvar outros fugitivos, é morto e ela ficar com três bebês, um milagre acontece: da chama da vela que o marido segurava, surge uma enorme e linda casa mágica. Além disso, todos os descendentes de Abuela, com exceção de si mesma e da neta Mirabel, ganham um dom mágico.
Será a chama da vela uma metáfora para a chama da vida que chega a nós?
Hellinger nos orienta a nos mantermos humildes com o que recebemos (de uma força maior, do mistério, de Deus ou como você queira chamar): a vida, a saúde, o amor, os filhos, a fortuna, os dons etc., em vez de nos atribuirmos algo especial que nos diferencie ou nos torne merecedores deles.
Como Abuela interpreta o milagre que recebeu? Acredita que deve usar os dons mágicos em favor da comunidade. Seria uma forma de compensação? Uma permuta com o mistério para não perder o que ganhou? Para seguir com o heroísmo do marido?
Em qual lugar ela se coloca, hierarquicamente, quando age assim? Maior que os demais. Qual o seu medo mais profundo? O de não pertencer. Para seguir pertencendo, Abuela zela e conduz o comportamento de todos da família Madrigal, dando um lugar aos que lhe causam orgulho e excluindo os que a decepcionam (consciência menor).
“Não falamos do Bruno!”
Bruno e Mirabel – como vemos acontecer nas constelações com os membros da família que trazem à tona o emaranhamento – é que vão mostrar que há uma desordem no sistema, que algo precisa mudar.
Diante dessa ameaça, eles são excluídos, cada um a seu modo. Com a exclusão de um membro da família, porém, todos os outros perdem o dom (força?). É o que acontece na ficção e também na realidade (consciência sistêmica).
Como seguir com o milagre? Reordenando as Ordens do Amor e da Ajuda: dando um lugar a todos os membros da família e suas sombras; dar apenas o que nos é pedido e estabelecer trocas equilibradas, e cada um assumir só o lugar que lhe cabe.
Os serviços prestados pelos descendentes poderiam configurar uma violação das Ordens da ajuda e do Dar e Tomar; afinal, de que forma as outras pessoas da comunidade retribuem o que recebem?
Certo é que, depois que a casa ruiu, todos da comunidade, usando seus dons normais, se mobilizaram para ajudar a reconstruí-la, e fizeram isso com muita alegria. Assim, todos os membros puderam pertencer, tal como eram, e a vida voltar a fluir.
Poderíamos seguir olhando para muitas passagens simbólicas e sistêmicas de “Encanto“, mas agora gostaríamos de ouvir você. Compartilhe com a gente suas percepções da animação!
Por Adriana Bernardino.
A respeito do filme eu só consigo dizer que me identifiquei. Após o falecimento da minha mãe, minha irmã mais velha “quis” ocupar o lugar dela, eu rejeitei a postura autoritaria e mandona da minha irmã (afinal mãe eu só tive uma), em decorrência disso fui excluída, ao ponto de minha irmã dizer que não gosto da família…fui me retraído com as acusações e julgamentos, me sentindo cada vez mais triste e sem força…assim passei a me auto excluir, evitando de fato estar com familiares…etc….
Filme maravilhoso, sim, vi em quase todo o filme os movimentos sistêmicos. Análise do filme foi maravilhoso e nos mostra como essa desordem pode impactar na vida de todos os membros da família e seus descendentes.
Lindo filme!
Profundamente sistêmico, se assim pode ser dito.
O quanto a exclusão enfraquece o sistema.
Maribel “desprovida de dom explicito”. Costura as relações, traz quem está excluído, escuta o clamor do coração dos que “parecem” fortes.
Que análise linda e sensível. Quando assisti ao filme, logo na estreia, todos estes aspectos ficaram claros para mim, porém sem tanto aprofundamento como o que eu li aqui. Encantada!