Vivemos um momento marcado por desafios e complexidades. A pandemia da COVID-19, por exemplo, emergiu como gatilho de um fenômeno silencioso que afeta milhões de pessoas: a depressão. Tamanho é o impacto dessa situação que a Organização Mundial da Saúde (OMS) a caracterizou como “a maior epidemia do século XXI”.

Apesar da gravidade desse cenário, muitos especialistas acreditam que é possível reverter essa tendência preocupante. Além disso, embora haja casos em que a intervenção medicamentosa seja necessária, existem outros caminhos para lidar com a depressão.

O grande vazio

Bert Hellinger, que trabalhou com centenas de casos de depressão nas constelações familiares, era categórico ao afirmar que depressão não é tristeza, mas sim uma sensação avassaladora de vazio. É como se algo essencial estivesse ausente, deixando o coração apenas parcialmente preenchido. Mas o quê?

Hellinger sugere que uma das causas profundas da depressão pode estar em nossa postura, ainda na infância, diante da ausência de um membro de nossa linhagem, geralmente um dos pais (isso pode ser visto com mais precisão abrindo-se uma constelação familiar), causada por doença, morte, divórcio ou outras circunstâncias. Certo é que essa ausência deixa uma marca indelével na alma da criança.

Sabedoria do trauma

Bert Hellinger não é o único a destacar a relação entre dinâmicas familiares e nossos desafios. O médico húngaro-canadense Gabor Maté, aclamado autor do documentário “A sabedoria do trauma“, compartilha uma visão similar.

Em seu livro “O Mito do Normal – trauma, doença & cura numa cultura tóxica”, Maté explica que o que se manifesta quando alguém está enfrentando a depressão é uma notável ausência da emoção e do fluxo contínuo de sentimentos que nos conectam à nossa própria existência.

Quando rotulamos essa supressão das emoções como uma doença, corremos o risco de não reconhecer sua função original e adaptativa: afastar-se de emoções que se tornam insuportáveis em determinados momentos da vida, entre elas, a desconexão com os pais.

Maté acredita que, diante da sensação de desamparo e medo, da impossibilidade de expressarmos nossas reais necessidades e sentimentos, nos alienamos de nossas emoções e as reprimimos, pois elas podem ameaçar nosso pertencimento à família.

A isso Bert Hellinger chamou de “movimento interrompido”, acrescentando que, quando, por causa do trauma, cortamos o fluxo com os pais, o mesmo acontece em relação à existência (que eles representam) e tendemos a seguir repetindo esse mesmo movimento na vida adulta, em nossos relacionamentos.

Reconexão

Hellinger nos convida – como caminho para sair da depressão – a olhar para os pais de uma maneira diferente: como são seres humanos que carregam consigo suas próprias histórias de vida, lutas, imperfeições e desconexões com seus próprios pais.

Eles não são inerentemente bons ou maus, saudáveis ou doentes. Quando as crianças conseguem ver seus pais como seres humanos completos, com todas as suas complexidades, o vazio começa a se dissipar.

Além disso, Hellinger argumenta que o vínculo entre pais e filhos, muitas vezes, se manifesta por meio de reivindicações e cobranças. Embora essas demandas possam parecer raiva, no fundo, elas refletem um profundo amor infantil.

Por esse prisma, a depressão pode ser vista também como uma tentativa ineficiente de expressar esse amor e de se conectar com os pais ausentes.

Superar a depressão pode parecer uma jornada assustadora, um túnel escuro sem fim. No entanto Hellinger nos encoraja a atravessá-lo e a fazer contato com nossas emoções.

Nas constelações familiares, temos a oportunidade de entrar em contato com a origem da depressão, com nossos sentimentos e abraçar a complexidade de nossas relações familiares. Assim, o trauma pode ser revertido em sabedoria que liberta.

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