A discriminação direcionada aos mais velhos está por toda parte. Inclusive em nós mesmo. Você já percebeu como, muitas vezes, somos nossos piores críticos quando o assunto é envelhecimento? Segundo Marvin Formosa, pesquisador e professor de gerontologia na Universidade de Malta, a autodepreciação acontece em nível mundial. “É impressionante a quantidade de pessoas idosas que realmente acreditam que são inferiores aos outros por causa da sua idade.”

E essa é uma crença que tem se mostrado devastadora. Segundo estudos recentes, o preconceito que nutrimos contra o envelhecimento acarreta problemas de saúde, morte precoce, isolamento e prejuízos econômicos.

Onde tudo começa

Você se lembra dos contos de fadas que ouvíamos quando éramos crianças? Pois é, muitas das nossas crenças sobre envelhecer se iniciaram ali, com as bruxas malvadas e as mulheres que não aceitavam envelhecer.

Também trazemos as crenças intergeracionais de nossa família sobre o envelhecimento. E adivinha quem se encarrega de levá-las adiante na vida adulta? Nós mesmos.

Queremos viver muito, mas, ao mesmo tempo, permanecer jovens. A indústria farmacêutica é quem mais se beneficia com essa não aceitação da passagem do tempo. Só em 2022, os americanos gastaram US$ 5,4 bilhões em produtos para rejuvenescer a pele. Isso sem falar nos excessos de procedimentos estéticos que podem comprometer a saúde (veja transformação radical de Madonna).

Viver pressupõe movimento, mudança, transformação. Como diz Bert Hellinger em seu livro “Viagens interiores”: “Aquilo que não perece não pode durar, porque apenas o transitório tem futuro, enquanto perece” (leia o trecho no final do artigo). Ou seja, “é envelhecer ou morrer”, como Eliane Dell’Omo, psicóloca e professora do Instito Koziner, resume.

Nem tudo é ladeira abaixo

A boa notícia é que essas crenças limitantes não estão gravadas em pedra. De acordo com Becca Levy, pós-doutora em medicina social pela Universidade de Harvard e doutora em psicologia do envelhecimento por Yale, “as crenças sobre a idade não são imutáveis”. E isso muda tudo!

Em  Breaking the Age Code How Your Beliefs About Aging Determine How Long & Well You Live (em tradução livre, “Quebrando o código da idade: como suas crenças sobre o envelhecimento determinam quanto tempo e bem você vive”), considerado um dos melhores livros sobre o envelhecimento, Becca afirma que as crenças são maleáveis e  que ouvir ideias positivas sobre envelhecer melhora a memória e até a pressão arterial fica mais equilibrada.

“Em nossos estudos, descobrimos que aqueles com crenças mais positivas sobre a idade também tiveram um desempenho melhor, física e cognitivamente. Na verdade, muitos tipos de cognição melhoram com a idade. Metacognição, ou pensar sobre o pensar, é uma delas, e crenças positivas sobre a idade podem reforçar isso ainda mais. Minha equipe também descobriu que crenças positivas sobre a idade ajudaram as pessoas a se recuperarem de lesões e períodos de depressão. Também vimos que pessoas nascidas com o gene APOE4, que é o gene de risco para a doença de Alzheimer, eram 47% menos propensas a desenvolver demência se tivessem adquirido crenças mais positivas sobre a idade de sua cultura”, afirma PhD.

Mude de ideia

A cientista sugere algumas etapas cruciais para superar o preconceito internalizado:

Aceitação: reconheça que o preconceito está em você mesmo e também em toda parte.

Questionar crenças: identifique suas vozes internas e encontre, sem medo de deixar no passado a lealdade às crenças familiares e sociais, uma nova perspectiva sobre si.

Isso não vale apenas para quem passou dos cinquenta. “Há consequências mensuráveis para os jovens começarem a adotar crenças de idade mais positivas. Muitas décadas depois, quando chegarem aos sessenta, essas crenças podem reduzir significativamente a probabilidade de terem um evento cardiovascular”, explicou Levy.

Questione os “elogios”: sabe aquelas frases do tipo “nossa, você nem parece ter a idade que tem”? Para a especialista, elas também são preconceituosas. Então,  comece a desconstruí-las e a encontrar os benefícios de ser quem você, com a idade que você tem.

Somos transitórios

Esse é um nível de aceitação mais profundo – somos perenes -, mas não menos necessário se quisermos viver uma vida significativa. No texto de Bert Hellinger (abaixo), podemos aprender um pouco mais sobre como o que é impermanente pode elevar o valor do que vivemos.

“O transitório

O transitório permanece porque perece. Ele só pode durar porque perece. Aquilo que não perece não pode durar, porque apenas o  transitório tem futuro, enquanto perece. Seu futuro é o novo que advém porque algo perece. O que permanece não tem futuro. Ele acaba, porque permanece. Ao se tornar permanente, ele cessa. Pois enquanto permanente ele já pereceu. O que realmente permanece, permanece porque perece. Permanece naquilo que vem depois dele. O transitório perece porque se move, porque se movimenta em direção ao próximo, ao novo. Justamente por isso, ele permanece. Tudo o que permanece, permanece porque se move do transitório para o transitório, permanecendo num constante movimento de próximo anterior para o próximo posterior. No movimento, ele é tomado permanentemente, ao mesmo tempo como passado e presente. Para que estou dizendo tudo isso? Essas reflexões se realizam apenas em pensamentos? Não as vivenciamos constantemente, sem pensar a respeito? Quando tomamos a sério esses pensamentos continuamos a viver como antes, pois não poderíamos viver de outra maneira. Mas vivemos mais plenamente, porque o transitório e o passado também cedem lugar facilmente ao novo, inclusive em nossos pensamentos e desejos. Portanto como alcançamos a nossa plenitude? Por meio da plenitude do passado, porque ele pode ser passado.”

Bert Hellinger in “Viagens Interiores”, ed. Atman.