Qual história você conta para si mesmo sobre seu pai no Dia dos Pais? Na ausência de um pai como você gostaria de ter tido, ou que faleceu, como você escolhe viver essa data comemorativa?
*Por Adriana Bernardino

Para criar um pensamento original sobre algo, muitas vezes é preciso passarmos por uma experiência tão intensa que nenhuma das verdades que construímos até então dê conta de nomear ou de explicar o que sentimos.

Para algumas pessoas, o “algo” pode ser a descoberta de uma doença incurável, a existência de um filho depois de vinte anos… Ou, como costumamos ver rotineiramente nos atendimentos de constelação familiar, descobrir que se tem um pai, apesar de:

“Nunca ter tido um pai”

Sim, obviamente, a expressão “eu nunca tive pai” costuma ser apenas um conjunto de palavras para sintetizar complexas histórias de dor e de sentimento de abandono, que aflora no Dia dos Pais. Porque: o pai foi embora quando soube da gravidez. O pai morreu. O pai é ausente. O pai é alcoólatra. O pai foi um estuprador. Pai é o que cria. O pai não é nada do que se espera de um pai.

Nossas palavras, no entanto, definem quem somos e como vivemos. Então, é bom que as escolhamos bem e que elas acompanhem nosso amadurecimento emocional. Dele resulta, por exemplo, abrir mão do raciocínio binário de que uma pessoa é só boa, ou só má; está sempre certa, ou sempre errada; diz sempre a verdade, ou sempre mente. É ultrapassar o pensamento cartesiano de que os destinos são lineares.

Sem dúvida, há muito o que não sabemos, que não compreendemos e não tocamos com interpretações, já que as histórias que ouvimos passam pelos  filtros internos de quem as contas, segundo seus modelos de mundo. Até mesmo o que vemos com os nossos “próprios” olhos é intermediado por um filtro que vem sendo tecido há gerações.

+ A Função Paterna – Tomar a Força do Pai

Fruto não cai longe do pé?

dia dos pais

Se não tivéssemos tido o pai que tivemos, não estaríamos aqui, nessa configuração. Seja lá quem for (ou tenha sido) nosso pai, ele e a história dele seguem conosco, tanto na carga genética quanto emocional.

Conhecer e se apropriar da própria história é também ter a chance de fazer escolhas, já que a máxima do “repetimos o que negamos” costuma ser quase tão precisa quanto a lei da gravidade.

Então, ao aceitarmos nossa história como foi, talvez possamos levar adiante o que nosso pai teve de melhor e deixar com ele o que não nos cabe.

Uma das ideias centrais de Bert Hellinger, o criador das constelações familiares, era de que, ao rejeitarmos, excluirmos ou negarmos nosso pai ou nossa mãe, estaríamos também rejeitando, excluindo ou negando parte de nós. Pela metade, há muito pouco que possamos fazer por nós mesmos, por nossos filhos ou pelo mundo.

As perguntas, a partir dessa consciência, são: O que quero alimentar em mim? Quais talentos posso desenvolver? Quais sombras devo olhar e trabalhar (nunca excluir)? Sobre quais aspectos devo ficar atento?

Mudar o roteiro interno a partir da própria experiência

Trilhar um caminho de aceitação e reinvenção de histórias de dor não é tão fácil quanto parece, apesar de ser simples. Para isso, temos ferramentas. Em uma terapia sistêmica, por exemplo, o constelador não permite que o “consultante” interprete ou julgue os fatos.

Ele precisa senti-los a partir do que são, fenomelogicamente, como se apresentam. “É experiência aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e, ao nos passar, nos forma e nos transforma”, diz o doutor em pedagogia Jorge Larrosa. Ou, nas palavras do filósofo Gilles Deleuze, “jamais interprete, experimente.”

O consultante sente a partir da perspectiva do outro, da dor do outro. Essa é a chave para o início da mudança, para perder a inocência e criar um novo roteiro, com o mínimo de filtros possível, e seguir adiante mais você mesmo.

 

Para você, leit@r, Feliz Dia dos Pais, tal como seu pai foi. Que ele possa ter um lugar no seu coração.

 

Aproveite o Dia dos Pais e escreva sobre seu pai!

Depois de ouvir a meditação, compartilhe com a gente o que você sentiu.

“Escreve-se sempre para dar a vida,

para liberar a vida aí onde ela está aprisionada,

para traçar linhas de fuga.”

GILLES DELEUZE