Quando recebemos um pedido de desculpas pouco sincero, nossa ferida se aprofunda. Todavia, se não o aceitamos, somos considerados socialmente pouco compreensivos e rancorosos. Desculpamos e somos desculpados todo o tempo, mas… quantos pedidos são autênticos? Muitas vezes os fazemos sem pensar, somente para “sair do aperto”.

Consideremos o seguinte exemplo: Ana desejava remodelar sua casa, e Cristina –sua amiga– dedicou todo um dia a ajudá-la a restaurar os móveis. Estiveram lixando e pintando durante horas, e Ana não ofereceu nada para tomar ou comer, e, assim, poder descansar um momento. Esse gesto ofendeu Cristina, que se sentiu pouco considerada por sua amiga.

Mais tarde, quando Cristina disse como se sentia, Ana respondeu: “Desculpe-me. Estava tão entusiasmada, vendo como ficavam os móveis, que nem sequer pensei em parar um momento”. Essa desculpa não fez com que Cristina se sentisse melhor. Na verdade, ela se sentiu ainda pior. A palavra “desculpa”, no sentido figurado, designa uma farsa real ou uma ficção em que a pessoa diz para justificar sua ausência de culpa. “Des: ação contraria, desviar, desfazer”.

Por tanto: desculpa, está mais em função de a pessoa descarregar sua culpa em alguma situação externa ou no próprio interlocutor. Sistemicamente falando, seria, de modo implícito, algo como “eu deixo essa minha carga com você”. O que falhou na desculpa de Ana? Ela incorporou uma desculpa que defendia sua conduta, não teve intenção de cuidar de Cristina.

Ana esperava que Cristina aceitasse sua desculpa. Sem saber, Ana estava perpetuando o problema original – estar focada em si mesma, e não em sua amiga. Mesmo que Ana não estivesse enganando conscientemente Cristina, sua meta não era assumir a responsabilidade pelo acontecido, mas, sim, encontrar uma “saída por onde escapar” da situação.

Esse é um exemplo da principal dissonância que existe entre o que dizemos e o que pensamos –quando nos desculpamos e utilizamos uma fórmula de cortesia para “liberar-nos da carga” de haver atuado incorretamente, em vez de expressar algo que signifique uma verdadeira mostra de arrependimento ante nosso interlocutor.

Só as autênticas desculpas podem “limar uma aspereza” com um familiar, um amigo, um colega etc. Para oferecer desculpas sinceras, devemos, em primeiro lugar, evitar (dar ou aceitar) formas pouco autênticas de se desculpar. Existem vários tipos de desculpas sem saber, de fato, se desculpar. Aqui alguns exemplos:

Desculpas “por compromisso”

  • Desculpa – Pretexto: Dizemos: “Desculpe-me por não te chamar. Estive muito ocupado.” Pensamos: “Por favor, compreenda que há outras coisas mais importantes que te chamar.”
  • Desculpa – Inocência própria: Dizemos: “Sinto se você o levou para esse lado. Não foi minha intenção.” Pensamos: “Lamento que tenha tantas dificuldades para me compreender”.
    Dizemos: “Desculpe-me se o ofendi.” Pensamos: “Não sei que mal eu fiz, mas se pensa que fiz algo, é melhor desculpar-me, assim podemos seguir como antes.”
  • Desculpa – Culpa alheia: Dizemos: “Lamento não haver chamado antes. Você sentiu outras inseguranças em nossas relações anteriores?” Pensamos: “Se está ofendido por que não o chamei, é culpa de sua própria insegurança, não de algo que fiz ou deixei de fazer.”

Quando pedimos desculpa de forma autêntica, podemos expressar claramente aquilo que fizemos e que ofendeu nosso interlocutor – ou foi desconsiderado – sem necessidade de:

  • Explicar imediatamente por que tivemos tal atitude;
  • Dizer que –por mais grave que tenha sido– não foi nossa intenção;
  • Sugerir que a outra parte contribuiu para causar o problema.

Assumindo a responsabilidade

Na história acima, das duas amigas, no lugar de se centrar no por que não ofereceu algo de comer a Cristina (desculpa), Ana poderia ter assumido sua responsabilidade, dizendo, por exemplo:

“Lamento muito ter te magoado. Você esteve me ajudando o dia todo, com tudo que fez por mim, não tenho desculpas para não ter servido algo”. Assim, Ana poderia usar suas desculpas para mostrar o quanto aprecia o esforço de sua amiga e como se arrepende por não ter sabido valorizá-la.

Quando aceitamos uma desculpa pouco sincera, sabendo que não foi real, pretendemos que o problema fique resolvido, mas, na realidade, seguimos guardando ressentimentos, porque a dor não desapareceu. De maneira cortês, firme, sem nos aborrecermos, podemos dar uma desculpa superficial, dizendo, por exemplo: “Se acredita simplesmente que não te compreendi, não tem por que se desculpar. Mas se acredita que fez algo de mal, terá que se desculpar”.

Quando nos negamos a aceitar uma desculpa pouco autêntica, evitamos render-nos ou ser “manipulados”. Intimamos a outra pessoa a ser mais responsável, sem ter que discutir ou forçar uma desculpa. As desculpas são ferramentas muito úteis, mas dizer –ou escutar– simplesmente “eu sinto”, não basta.

É preciso verdadeiramente olhar nos olhos do outro e dizer “eu sinto muito, não considerei você”. Se pudermos melhorar a forma com que damos e recebemos desculpas, poderemos tornar-nos menos defensivos, ganhar perspectiva de nossos atos e fortalecer nossas relações.

Poderemos também ser um modelo ao ensinar que as verdadeiras desculpas são uma mostra da fortaleza de nosso caráter e que só elas nos permitirão sanar as feridas e ganhar o respeito dos demais.