Havia um arquipélago no Pacífico povoado apenas por macacos. Eles se alimentavam de batatas, que tiravam da terra. Um dia, não se sabe por que, um desses macacos lavou a batata antes de comer, o que melhorou o sabor do alimento. Os outros o observaram, intrigados, e aos poucos começaram a imitá-lo. Quando o centésimo macaco lavou a sua batata, todos os macacos das outras ilhas começaram a lavar suas batatas antes de comer. E entre as ilhas não havia nenhuma comunicação aparente.

Essa história (fictícia) exemplifica uma teoria criada pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake, denominada teoria dos campos morfogenéticos, que ajuda a compreender como os organismos adotam as suas formas e comportamentos característicos. Morfo vem da palavra grega morphe, que significa forma. Rupert Sheldrake estudou Ciências Naturais no Clare College da Universidade de Cambridge; e filosofia e história da ciência como membro da Frank Knox, em Harvard. Voltando a Cambridge, ele obteve o seu doutorado em bioquímica e biologia celular.

Em Cambridge, Rupert era membro da Sociedade Real, fazendo pesquisas com desenvolvimento de plantas e envelhecimento celular. Trabalhou em Hayderabad, na Índia, de 1974 a 1978, no Crop Research Institute for Semi-Arid Tropics, em fisiologia de produção de leguminosas.

No seu livro Uma Nova Ciência da Vida, Sheldrake toma posições na corrente organicista ou holística clássica, sustentadas por nomes como Ludwig von Bertalanffy e a sua Teoria Geral de Sistemas, ou E.S. Russell, para questionar de um modo definitivo a visão mecanicista, que explica qualquer comportamento dos seres vivos mediante o estudo de suas partes constituintes e sua posterior redução para as leis químicas e físicas.

 

O que é um campo morfogenético?

Os campos morfogenéticos, ou campos mórficos, são campos de forma; campos padrões ou estruturas de ordem. Estes campos organizam não só os campos de organismos vivos, mas também de cristais e moléculas. Eles levam informações, não energia, e são utilizáveis através do espaço e do tempo, sem perda alguma de intensidade depois de terem sido criados.

Campos morfogenéticos são campos não físicos que exercem influência sobre sistemas que apresentam algum tipo de organização inerente. “A teoria da causação formativa é centrada em como as coisas tomam formas ou padrões de organização. Desse modo, cobre a formação das galáxias, átomos, cristais, moléculas, plantas, animais, células, sociedades. Cobre todas as coisas que têm formas, padrões, estruturas ou propriedades auto-organizadas. Todas essas coisas são organizadas por si mesmas”. Um átomo não tem que ser criado por algum agente externo, ele se organiza sozinho. Uma molécula e um cristal não são organizados pelos seres humanos peça por peça, mas se cristalizam espontaneamente.

 

Os animais crescem espontaneamente. Todas estas coisas são diferentes das máquinas, que são artificialmente montadas pelos seres humanos. A teoria dos campos morfogenéticos trata sistemas naturais auto-organizados e a origem das formas.

Diz Sheldrake: “Assumo que a causa das formas é a influência de campos organizacionais, campos formativos que eu chamo de campos mórficos. A característica principal é que a forma das sociedades, ideias, cristais e moléculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado. Há uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa organizada”.

“Concebo as regularidades da natureza como hábitos, mais que por coisas governadas por leis matemáticas eternas que existem de algum modo fora da natureza. (…) O código genético inscrito no DNA coordena a síntese das proteínas, determinando a sequência exata dos aminoácidos na construção dessas macromoléculas. Os genes ditam essa estrutura primária e ponto. ”

“A maneira como as proteínas se distribuem dentro das células, as células nos tecidos, os tecidos nos órgãos e os órgãos nos organismos não estão programadas no código genético. Dados os genes corretos e, portanto, as proteínas adequadas, supõe-se que o organismo, de alguma maneira, se monte automaticamente. Isso é mais ou menos o mesmo que enviar, na ocasião certa, os materiais corretos para um local de construção e esperar que a casa se construa espontaneamente.”

Para Sheldrake, os organismos vivos não herdam apenas os genes, mas também os campos mórficos. Os genes são recebidos materialmente dos antepassados, e permitem elaborar certos tipos de moléculas proteicas; os campos mórficos são herdados de um modo não-material, por meio da ressonância mórfica, não somente dos antepassados diretos, mas também dos demais membros da espécie.

“As mutações genéticas podem afetar este processo de sintonia e a capacidade do organismo para se desenvolver sob a influência dos campos, assim como as mudanças de condensadores ou outros componentes de um televisor podem afetar sua sintonização com um canal privado ou a recepção dos programas; é possível que a imagem ou som sejam recebidos de forma distorcida. Mas, o fato de os componentes mudados poderem afetar as imagens e o som produzidos pelo receptor de televisão não demonstra que os programas televisivos estejam incorporados nos componentes do equipamento e sejam gerados dentro dele. De modo análogo, as mutações genéticas podem afetar a forma e a conduta dos organismos, mas isto não demonstra que a forma e conduta destes organismos estão programas nos genes.”

 

Como funcionam os Campos Morfogenéticos?

Os campos morfogenéticos agem sobre a matéria impondo padrões restritivos em processos de energia cujos resultados são incertos ou probabilísticos. Por exemplo, dentro de um determinado sistema, um processo físico-químico pode seguir diversos caminhos possíveis. O que o sistema faz para optar para um deles? Do ponto de vista mecânico, esta eleição estaria em função de diferentes variáveis físico-químicas que influenciam no sistema: temperatura, pressão, substâncias presentes, polaridade etc. cuja combinação decantaria o processo para um certo caminho.

Se fosse possível controlar todas as variáveis em jogo, você poderia predizer o resultado final do processo. Porém, não acontece desse modo; o resultado final está sujeito ao acaso probabilístico, algo quantificável só por meio de análise estatística. Muito bem, o Campo Morfogenético relacionado com o sistema reduzirá consideravelmente a amplitude probabilística do processo, levando o resultado em uma direção determinada.

“Os Campos Mórficos funcionam, tal como eu explico em meu livro A Presença do Passado, modificando eventos probabilísticos. Quase toda a natureza é inerentemente caótica. Não é rigidamente determinada. A dinâmica das ondas, os padrões atmosféricos, o fluxo turbulento dos fluidos, o comportamento da chuva, todas estas coisas são corretamente incertas, como são os eventos quânticos na teoria quântica. Com o declínio do átomo de urânio você não é capaz de predizer se o átomo declinará hoje ou nos próximos 50.000 anos. É meramente estatístico, Os Campos Mórficos funcionam modificando a probabilidade de eventos puramente aleatórios. Em vez de uma grande aleatoriedade, de algum modo eles enfocam isto, de forma que certas coisas acontecem em vez de outras. É deste modo como eu acredito que eles funcionam”.

 

De onde vêm os Campos Morfogenéticos?

Um campo morfogenético não é uma estrutura inalterável, mas muda ao mesmo tempo em que muda o sistema com o qual está associado. O campo morfogenético de uma samambaia tem a mesma estrutura que os campos morfogenéticos de samambaias anteriores do mesmo tipo. Os campos morfogenéticos de todos os sistemas passados se fazem presentes para sistemas semelhantes e influenciam neles de forma acumulativa através do espaço e do tempo.

A palavra-chave aqui é “hábito”, sendo o fator que origina os campos morfogenéticos. Por meio dos hábitos, os campos morfogenéticos vão variando sua estrutura, causando desse modo às mudanças estruturais dos sistemas aos quais estão associados. Por exemplo, em uma floresta de coníferas é gerado o hábito de estender as raízes a mais profundidade para absorver mais nutrientes. O campo morfogenético da conífera assimila e armazena esta informação, que é herdada não só por exemplares no seu entorno, assim como em florestas de coníferas em todo o planeta. O processo responsável por essa coletivização da informação foi batizado por Sheldrake com o nome de ressonância mórfica. Por meio dela, as informações se propagam no interior do campo mórfico, alimentando uma espécie de memória coletiva.

Depois de muitos anos de estudo e pesquisa, chegou-se à conclusão de que a chave desse mistério estaria numa espécie de memória coletiva e inconsciente que faz com que formas e hábitos sejam transmitidos de geração para geração. O campo morfogenético seria uma região de influência que atua dentro e em torno de todo organismo vivo. Algo parecido com o campo eletromagnético que existe em volta dos imãs. Para o cientista, cada grupo de animais, plantas, pássaros etc. está cercado por uma espécie de campo invisível que contém uma memória, e que cada animal usa a memória de todos os outros animais da sua espécie. Esses campos são o meio pelo qual os hábitos de cada espécie se formam, se mantêm e se repetem. No exemplo dos macacos, o conhecimento adquirido por um conjunto de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado por toda a espécie. Os seres humanos também têm uma memória comum. É o que Jung chamou de inconsciente coletivo.

Algumas experiências

Os campos morfogenéticos também são responsáveis por aquela sensação que a maioria das pessoas tem quando sente que está sendo observada. Sheldrake explica: “Entrevistei alguns detetives particulares, pessoal da vigilância na polícia, pelotões antiterrorismo da Irlanda do Norte e outras pessoas cujo negócio é olhar pessoas. A maior parte destes observadores profissionais está muito consciente desse fenômeno, e alguns daqueles que operam sistemas de segurança em shoppings, edifícios, aeroportos e hospitais também estão muito conscientes desse efeito.

Em uma das principais lojas de departamento de Londres, os detetives da loja disseram que podiam olhar as pessoas na loja através de uma TV, e quando viam alguém roubando, um gatuno, muitas vezes perceberam que, se olhassem para essa pessoa muito intensamente, pela tela da TV, a pessoa começava a olhar a seu redor procurando as câmeras escondidas, depois devolvia o que tinha tirado e saía da loja.

Um segurança em um hospital disse que onde isso dava mais certo era com uma câmera oculta que cobria uma área onde as pessoas iam fumar, embora não fosse permitido fumar no hospital, mas quando ele observava os fumantes através da televisão de circuito fechado eles imediatamente começavam a parecer constrangidos e apagavam seus cigarros e saíam dali. Portanto, há muitas experiências práticas.

No SAS britânico, que são as forças especiais usadas para tomar de assalto terroristas em embaixadas e lugares semelhantes, parte do treinamento ensina que, se você está se aproximando cuidadosamente de uma pessoa por trás, para esfaqueá-la nas costas, você não deve olhar fixamente para as costas dela, porque é quase certo que, se o fizer, ela vai se virar. A primeira lição que um detetive particular aprende sobre seguir alguém é que você não deve olhar para quem está seguindo, porque, se olhar, ele vai se virar e seu disfarce terá sido descoberto”. Parece telepatia. Mas não é. Porque, tal como a conhecemos, a telepatia é uma atividade mental superior, focalizada e intencional que relaciona dois ou mais indivíduos da espécie humana.

A ressonância mórfica, ao contrário, é um processo básico, difuso e não-intencional que articula coletividades de qualquer tipo. Sheldrake apresenta um exemplo desconcertante dessa propriedade: “Quando uma nova substância química é sintetizada em laboratório, não existe nenhum precedente que determine a maneira exata de como ela deverá cristalizar-se”.

“Dependendo das características da molécula, várias formas de cristalização são possíveis. Por acaso ou pela intervenção de fatores puramente circunstanciais, uma dessas possibilidades se efetiva e a substância segue um padrão determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém, um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então, a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo. E quanto mais vezes ele se efetivar, maior será a probabilidade de que aconteça novamente em experimentos futuros”.

Com afirmações como essa, não espanta que a hipótese de Sheldrake tenha causado tanta polêmica. Em 1981, quando ele publicou seu primeiro livro, Uma Nova Ciência da Vida (A New Science of Life), a obra foi recebida de maneira diametralmente oposta pelas duas principais revistas científicas da Inglaterra. Enquanto a New Scientist elogiava o trabalho como “uma importante pesquisa científica”, a Nature o considerava “o melhor candidato à fogueira em muitos anos”. A hipótese dos campos morfogenéticos é bem anterior a Sheldrake, tendo surgido nas cabeças de vários biólogos durante a década de 1920. O que Sheldrake fez foi generalizar essa ideia, elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos, aplicável a todos os sistemas naturais e não apenas aos entes biológicos.

Ele propôs também a existência do processo de ressonância mórfica, como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos. Não é difícil perceber os impactos que tal processo teria na vida humana. Numa universidade inglesa, alguns pesquisadores conseguiram provar que as palavras cruzadas dos jornais são muito mais fáceis de resolver quando feitas no dia seguinte à publicação original.

Esse fenômeno é muito comum entre os químicos. Quando um deles tenta cristalizar um novo composto leva muito tempo para conseguir um bom resultado. Mas a partir desse momento em outros lugares do mundo muitos outros químicos conseguem cristalizar o mesmo composto num tempo muito mais curto. Isso explicaria o porquê da geração dos anos 1980 ter tido facilidade de programar o videocassete, e a geração de 90 dominar o computador e o celular?

Se for definitivamente comprovado que os conteúdos mentais se transmitem imperceptivelmente de pessoa a pessoa, essa propriedade terá aplicações óbvias no domínio da educação. “Métodos educacionais que realcem o processo de ressonância mórfica podem levar a uma notável aceleração do aprendizado”, conjectura Sheldrake.

E essa possibilidade vem sendo testada na Ross School, uma escola experimental de Nova York, dirigida pelo matemático e filósofo Ralph Abraham. Outra consequência ocorreria no campo da psicologia.

Teorias psicológicas como as de Carl Jung e Stanislav Grof, que enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique, receberiam um notável reforço. Sem excluir outros fatores, o processo de ressonância mórfica forneceria um novo e importante ingrediente para a compreensão de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e os cultos da morbidez e da violência, que assumiram proporções epidêmicas no mundo contemporâneo, e poderia propiciar a criação de métodos mais efetivos de terapia.

“A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mal”, afirmou Sheldrake.

 

 

“Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina, pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas”.

 

Este texto foi retirado da Apostila I, Introdução às Constelações Familiares, do Curso de Formação em Constelações Familiares do Instituto Koziner. Você encontra a apostila completa clicando aqui.