“O mundo não é só o que a gente vê da janela do trem.”

(Dora)

O que é, então, o mundo? Será que também o vemos através da janela do nosso trem e seus vagões de memórias, de histórias e das interpretações que fazemos delas? Como ter uma postura de neutralidade para ajudar o outro?

Nesta semana, comemora-se 25 anos de “Central do Brasil“, filme que se tornou um marco na história do cinema nacional. Com ele, a atriz Fernanda Montenegro recebeu inúmeros prêmios, incluindo uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Com Dora, personagem de Fernanda, aprendemos a sutileza de uma ajuda humilde, aquela que “apenas” facilita para que o ajudado se reconecte com sua força e suas origens.

Em busca do pai

Dora é uma professora aposentada que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil (RJ). Sua rotina passa por uma reviravolta quando Josué, de nove anos, e sua mãe, pedem a ela para escrever uma carta ao pai do menino, que ele nunca conheceu.

A mãe de Josué, entretanto, morre em um acidente, deixando o menino órfão. Então, Dora parte com o pequeno em uma jornada emocionante pelo interior do Nordeste brasileiro em busca do pai dele.

Em meio aos diversos desafios e experiências que atravessam o caminho dos dois viajantes (ou de qualquer pessoa que se coloca numa jornada tão profunda), Dora é levada a confrontar suas próprias emoções e traumas, enquanto ajuda Josué em seu retorno à família.

Pontos sistêmicos

Um dos aspectos sistêmicos que podemos extrair desse filme é observar a postura com que Dora ajuda. No início, ela se sente “especial” ao decidir o destino das cartas, ou daquilo que deve ser dito.

Dora age assim porque  julga a capacidade de as pessoas fazerem suas próprias escolhas, sente-se mais capacitada do que elas. Esse é um movimento tentador nas profissões de ajuda. Por isso, Bert Hellinger, criador das constelações familiares, em “O Amor do Espírito” (ed. Atman) é enfático ao dizer:

“Muitos ajudantes, por exemplo na psicoterapia e no trabalho social, pensam que precisam ajudar aqueles que procuram ajuda, como pais ajudam seus filhos pequenos. O que acontece se os ajudantes correspondem a essas expectativas? Eles se envolvem numa longa relação. Para onde leva essa relação? Os ajudantes ficam na mesma situação dos pais.”

Com o desenrolar da história, Dora aprende algo importante e assume uma outra postura como ajudante, retirando-se de cena para que algo maior atue. Sobre essa ajuda em harmonia com o destino, Hellinger tem uma passagem maravilhosa:

“Portanto ajudar, nesse sentido, permanece em sintonia com a grandeza da vida e de sua plenitude, também em sintonia com seu desafio e sua dureza, simultaneamente com tudo. Então, o outro pode crescer na nossa presença, como nós crescemos quando nos expomos à realidade como ela é: à sua e à nossa realidade.”

Ordens da ajuda

Quer saber mais sobre a arte de ajudar, segundo a abordagem sistêmica? Nesse vídeo, o professor Mario Koziner explica por que só podemos ajudar, de fato, aqueles que nos solicitam. Também, só podemos dar o que temos. Ajudar, muitas vezes, é acompanhar e aguardar o processo do outro.