Há muitas razões para gostar dos três episódios de “Arnold”, série documental da Netflix que revive cronologicamente os 75 anos de história do fisiculturista, ator e político  Arnold Schwarzenegger.

É um ótimo roteiro motivacional, se focarmos em como Arnold transforma seus obstáculos, mesmo os mais duros, em aprendizado, sem se vitimizar ou  acusar o destino e as pessoas que o cercaram.

Meu propósito neste artigo, entretanto, é mostrar como o protagonista de “O Exterminador do Futuro”  viveu, ao que parece, em consonância com as ordens do amor, a saber: pertencimento, hierarquia e equilíbrio entre dar e tomar

Origens

Com seu corpo hercúleo, moldado com muito suor e pouquíssimas lágrimas, Arnold incorporou a própria jornada de um herói, lidando com suas vitórias e fracassos com austeridade e perseverança excepcionais.

Ele realizou tudo que sonhou para sua vida: ganhou títulos mundiais como fisiculturista, brilhou como ator e governou a Califórnia, maior e mais rico colégio eleitoral dos EUA.

Também admite ter “fracassado” várias vezes, especialmente ao magoar a primeira mulher e os filhos, tanto nas acusações de assédio sexual quanto no caso extraconjugal que teve com a governanta, do qual nasceu Joseph Baena.

Mas faz questão de mostrar o lado bom do deslize: “meu filho é um garoto maravilhoso e quero que ele se sinta bem-vindo neste mundo.”

Força física e mental

Toda a narrativa da série, que é mais autobiográfica do que documental, mostra a capacidade de Schwarzenegger em – como ele mesmo nomeia – “ver as coisas com muita clareza” e ir em direção a elas.

Schwarzenegger relata que sempre olhou para o topo da montanha. Quando chegou lá, olhou para outro topo ainda mais alto.  E revela ter aprendido, graças ao ensinamento que tomou do pai de um amigo, a incorporar à força dos músculos a força mental, que ele exercitou tanto quanto o físico.

“Ele me disse: ‘não basta ter apenas músculos fortes, mas também uma mente forte.  Você pode sofrer uma lesão, e, aí, sua vida de atleta acaba. Pode ter milhões de dólares, alguém pode te roubar e acabou. Mas tem uma coisa que ninguém pode tirar de você, a sua mente, o seu potencial mental’.”

Mas com qual postura se faz tudo isso?

Tomar a força x identificação

Não é necessário ser adepto das ideias de Bert Hellinger para compreender a importância da hierarquia. Basta observar a própria vida – desde as histórias mitológicas até uma simples fila de banco: quem chega antes, tem precedência.

Mas é preciso um pouco mais do que observação para saber a diferença entre respeito e identificação, especialmente quando se trata de nosso sistema familiar; e ainda mais sabedoria para colocar essa observação em prática.

Quando respeitamos, podemos tomar a força daqueles que vieram antes de nós. Identificados, tendemos a repetir o destino difícil deles.

Logo no início da série, Arnold diz que gosta de voltar a Thal, região da Áustria onde nasceu e passou sua infância, sempre que pode. “Cada vez que venho, eu vejo as coisas sob um novo ponto de vista. É bom manter contato com nossas origens, nossas raízes”, ele diz.

Mesmo que  não tenha se sentido pertencente ao seu país de origem, mesmo que achasse ser fruto de um caso entre sua mãe e algum soldado americano (tal sua paixão pelos EUA), Arnold demonstra dar um lugar a todos e a tudo como foi.

A mansão onde vive, por exemplo, foi pensada para reproduzir o aconchego da Áustria. Um aconchego que não pode ser atribuído a questões materiais nem a pais idealizados, já que ele só foi conhecer um chuveiro aos quinze anos.

A qual tipo de aconchego ele se refere? Ao sentimento de pertencimento.

E é sob essa nova perspectiva que ele relembra o comportamento dos pais. Do pai, especificamente, que lutou na guerra e voltou com vida depois de passar três dias soterrado.

Ele associa as atitudes de Gustav Schwarzenegger – que se alcoolizava, batia nele, no irmão Meinhard e na mãe Aurelia – ao terror da guerra. “Todos os meus amigos cujos pais voltaram da guerra passaram por isso.”

No entanto ficou marcado para Arnold também o quanto o pai o ensinou a ser competitivo e despertou nele o desejo de vencer e de ser útil.

Em certo momento, quando fala do irmão que morreu jovem ao dirigir embriagado,  ele atribui, sem mágoa, a tragédia ao comportamento do pai, já que o irmão era muito sensível. Mas para si mesmo, ele acredita que a postura do pai foi exatamente a que ele precisava para o caminho que iria seguir na vida.

Enquanto o irmão se identificara com a dor do pai, Arnold deixou com todos os que vieram antes suas dores e limitações, tomando desses homens apenas a força – e que força! – que o levaria adiante, sem renunciar a nada, nem as tragédias, nem os dramas inseparáveis da vida.

Dos muitos aprendizados “sistêmicos” que podemos tirar dessa série, um que vale a pena prestar a atenção é como Arnold lida com as limitações de suas origens e de sua família. Há uma maestria no modo como ele se desidentifica sem excluir, romper ou desrespeitar.

Afinal, é justamente a forma como nos desidentificamos internamente que pode nos fortalecer para seguirmos nosso próprio destino, a nossa missão, ou, ao contrário, gerar as dinâmicas de compensação ou expiação que nos prendem à repetição.

Você assistiu à série? Concorda comigo? Há outros conceitos sistêmicos que você observou? Compartilhe com a gente! Adoraria ouvir sua opinião.

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